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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Por que sou a favor das cotas para negros na Universidade pública

É com muita satisfação que abro espaço nesse blog para a nossa colaboradora, a pedagoga Diane Menezes, tratando da polêmica sobre as cotas para negros na universidade pública:

Começo a problematizar a questão das cotas a partir do conceito de raça que me proponho, pois tem caído na boca do povo, afirmações do tipo: “a raça é humana” , “são os próprios negros que se discriminam”, “como ficam os pobres brancos que estudam em escola pública, eles também não tem direito de serem beneficiados pelas cotas?”, ou ainda “para entrar na universidade basta apenas estudar, o mérito está no esforço de cada um”. Primeiro, raça é entendida aqui enquanto construção social, isto é, uma invenção humana e por isso permeada por relações de poder. É desse ponto de vista que se afirma “eu sou negra ou negro”. Isto não quer dizer que invalido a afirmação de que somos humanos, apenas reitero que a diferença é intrínseca a nossa identidade e que esta demarcou e demarca a nossa constituição enquanto ser humano. Segundo, se afirmo que sou negra, não estou de modo algum “criando divisões”, afinal somos mestiços, não é assim que preferimos acreditar em prol de um mundo pacífico, como tão bem disseminou nosso queridíssimo Gilberto Freyre? Me diga porque, não podemos nos identificar como negros para reclamar a nossa existência e direito de adentrar a universidade, que há tempos esteve restrita a elite branca? Ah... quer dizer que para justificar a mão de obra escrava, o dom para a cozinha e serviços de limpeza nas casas de família, na incapacidade de assumir um papel novelesco de protagonista é possível afirmar que sou negra? Ao contrário do que pensam, não nos discriminamos ou idealizamos preconceito, apenas dizemos que nosso pertencimento étnico-racial, entendido como diferença, é motivo para nos situar em lugares determinados no mercado de trabalho. Até quando, vamos continuar achando que não estamos no curso de medicina ou de direito porque só sabemos “tocar berimbau”? Terceiro, a desigualdade tem cor sim, o estudante branco pobre, ainda consegue vaga de emprego nas grandes lojas dos shoppings centers, afinal o seu perfil atende os requisitos da empresa, o que não vale para os “[...] assim, tão afrodescendentes”, como se desculpou ainda esta semana as personagens Beatriz e Sofia na novela global das seis. O que não é social? Já questionou o prof° Kabenguele Munanga. Não entramos na universidade pública porque nos falta mérito, mas oportunidades. Há estudiosos que afirmam com ar de sabedoria na grande mídia: “É preciso melhorar a qualidade da escola pública, para que todos concorram de forma leal a vaga que almeja para seu futuro.” Tá bom, vou sentar e esperar a escola pública melhorar para estudar e entrar na universidade. Enquanto isso, o que me resta é contentar com o emprego que tenho, se é que tenho, seja como operário de construção civil, no papel de empregada doméstica, ou no tão em voga atualmente, sobretudo entre os jovens negros baianos, operador de telemarketing, não desmerecendo nenhuma das profissões. Fui cotista na UNEB, entrei por mérito também, sobrevivi, hoje sou pedagoga e modéstia a parte ótima aluna.

Por Diane Menezes, pesquisadora do Programa Qualificando a Permanência de Estudantes Cotistas na UNEB, uma parceria UNEB/CEPAIA (Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos)/ SEPROMI (Secretaria de Promoção da Igualdade).

“[...] porque mulher negra tem que ter nome e sobrenome, senão o racismo e o sexismo põem o nome que quiser”, como diz a profª Vilma Reis.

3 comentários:

  1. depois desse desabafo e das palavras dificeis me sinto uma ameba

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  2. Essa é minha prima formadora de conceitos e contestadora de opiniões!meu orgulho!

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  3. Sou cotista, mas concordo que as cotas deveriam ser estendida aos alunos comprovadamente pobres da escola pública.

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