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quarta-feira, 13 de abril de 2011

"Camões também falava 'ingrês'!"

Volta e meia uma novela global incorpora em sua trama ambientes regionais com uma pitada caipira. O que tenho observado e me incomodado é a forma em que tem se caricaturado o sujeito da roça, pois já não basta as calças "pescando" no meio da canela e as "butinas" como fardamento, também o linguajar adotado rouba a cena e acredito que a gargalhada de muitos telespectadores diante dos sotaques pitorescos.

Pois bem, venho problematizar variação linguística e desprestígio social a partir das cenas interioranas que figuram novelas, programas humorísticos e propagandas. Para isso, me remeto ao título deste texto extraído da obra "Nada na língua é por acaso: Por uma pedagogia da variação linguística", de Marcos Bagno, professor de Linguística da UNB. Nesta, o prof. Bagno discute norma-padrão, o uso da gramática normativa, "a língua como instrumento de controle social", variedades regionais, entre outros. Como o espaço que tenho não permite que fale sobre tudo isso, quero partir desse "ingrês" falado por Camões e repetido hoje por tantas pessoas. Vamos direto ao assunto! É comum quando não nos programas televisivos, em nosso dia-a-dia ouvirmos "prástico", "pranta", "broco", "brusa" e tantos outros vocábulos como esses em que o L é trocado pelo R e taxarmos as pessoas que pronunciam dessa forma, de ignorantes, julgando o nosso modo de falar como certo.

O prof. Bagno ao discutir sobre erro e variação linguística, deixa claro que "todas as classificações sociais e culturais de 'certo' e 'errado' são resultantes de visões de mundo, de juízos de valor, de crenças culturais, de ideologias e, exatamente por isso, estão sujeitas a mudar com o tempo." É assim que, esse modo de falar no qual a troca do L pelo R é, então, explicado num fenômeno chamado de Rotacismo. É simples! Algumas palavras de Língua Portuguesa que hoje são pronunciadas e escritas com L, ao longo do tempo se modificaram passando a ser pronunciadas e escritas com R, como exemplifica nos vocábulos: cravo, dobro e obrigado, que em sua raiz no latim eram descritas respectivamente como: clavu, duplu e obligare. O próprio Camões materializa em "Os lusíadas" o que se argumenta neste texto. Palavras como "frechas" (flechas), "pranta" (planta), "frauta" (flauta) e "ingrês" (inglês) podem ser encontradas em seus escritos.

Com isso, é possível perceber que o pronunciar dito "caipira", de "fror", ao invés de "flor" não deve ser trazido como próprio de falantes ignorantes, já que estes apenas repetem um fenômeno que se propagou durante um bom tempo. E mais, tais pessoas são motivos de risadarias, tão somente, porque são desprovidos de prestígio social. Enfim, me diga quantas palavras, você, cidadão da cidade, pronuncia sem monitorar? "Cê" tá vendo que não é só quem mora no interior que fala assim! Se até Camões falou "ingrês", porque D. Maria e seu José, lá da roça, não podem falar?

2 comentários:

  1. Pois é...quem acha q isso é falar errado, é puro pré-conceito linguístico...pois não existe "falar errado" e sim, uma "variação linguística regional" É CULTURA e deveríamos ter muito orgulho dessa diversidade que temos no Brasil...não tratar como linguagem de ignorante "da roça".

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  2. MARCO AURELIO TOMAZ CARDOSO26 de maio de 2011 às 15:00

    Realmente, um dos maiores problemas relacionados ao preconceito linguistico, é o fato de que muitos não sabem que a "LÍNGUA PADRAO-CULTA" é apenas um reflexo da dominação burguesa, ou seja, ela própria revela que o que hoje em dia chamamos de "correto", pode não ter sido um dia!

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